domingo, 2 de maio de 2010

Já estou narrando

-Mas se eu vejo verde, e um daltônico vê azul, é inevitável que a verdade seja relativa. Somos animais incapazes de julgar atitudes, de diferir certo e errado, embora queiramos inutilmente chegar a um consenso.-Desdenhou o senhor calvo.
-Não é consenso, e sim bom senso, até porque, se é verdade que a verdade não existe, como afirmar a veracidade desta sentença?- Riu-se a mulher de dedos finos. - E você, Celina, o que tem a nos dizer a respeito?
-Eu, sorriu a mulher com um sorriso que deixou esta narradora confusa (não sei bem se era timidez ou malícia de quem sabe algo), digo apenas que há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia.
Ela disse apenas, e aquilo bastou. Não era muito de falar, achava muito mais interessante fazer uso de sua visão para o contato com o mundo exterior, como se a alegria estivesse nas coisas pequenas e ela quisesse manter-se atenta para não perder nada. E fora o fantasma de seu pai que a ensinara a calar...
Celina, naquele dia de sua infância, estava discutindo com seu pai, faltara dinheiro para as compras domésticas e ele pegou uma quantia do cofrinho da filha. Justo aquelas moedas conseguidas a custo, ele não sabia quão difícil tinha sido aquele ganho? Como a menina se zangou! E gritou tanto que não ouviu seu pai dizendo, meio constrangido, "eu te amo", nem viu a barra de chocolate em suas mãos. O arrependimento fez dela essa pessoa observadora que todos veem.
No demais, ela conservava sua alma de criança curiosa ainda agora, aos cinquenta e cinco anos. Isso a rejuvenescia, tinha semblante de quarenta primaveras intactas. Seu sorriso acolhedor foi o que realmente me cativou, o que originou este texto, nesta posição observadora que me encontro pra narrar essas peculiaridades.
Celina, quieta naquele canto tinha presença mais notável que os outros dois. Serena, Celina, sereia de um mar de pensamentos. Ser ela. Só ela o é!

by Luiza Borba (foxy lady)