quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Sem Vergonha

Quer saber qual é a visão da sociedade a meu respeito? Então talvez essas frases - adquiridas árduamente através de meus gestos espontâneos durante toda a minha vida - possam te ajudar:
"Por que você não é... normal? Por que você mudou desse jeito? Nossa, por que você tomou banho de chuva? Hey, aquela garota tem uma energia tão boa, tão forte, senti quando ela entrou aqui! De que filme você saiu? Você parece um personagem. Você definitivamente vem e sempre muda a opinião de todos quando começa a falar. Eu gosto porque você sempre fala na cara. Por que você sempre fala as coisas na cara? Um psicólogo pode te ajudar. Sua louca. Você, assim, não tem vergonha nenhuma de ser você, se assumir e fazer o que tiver vontade na frente dos outros... que esquisito! Você não canta bem. Você nunca vai fazer nada direito. Você nunca será uma guitarrista. Você é muito inconveniente. Você cultua Satã. Ficou ótimo! Excelente! Ficou horrível. Você é muito complexa. Você é A garota."
É isso. Essa é a incrível visão que se tem de mim para uma esmagadora maioria que nunca conseguiu me esmagar.
Engraçado isso: nesse ponto de meu texto eu travei, não conseguia prosseguir. Mas é importante ressaltar que estou escrevendo em minha cama, e que do lado dessa cama existe uma janela. Continuando, no momento em que a criatividade me deu um golpe, eu coloquei meus pés para fora da janela, de modo a ficar com o tronco deitado na cama e a cabeça virada para o céu.
Foi então que me deparei com uma nuvem imensa e branca (que pode representar o todo ao meu redor) movendo-se lentamente para longe de minha casa, e um passarinho voando (que pode me representar). Ambos estão no céu. A diferença é que o passarinho voa por vontade própria quantas vezes quiser mais rápido que a nuvem, na direção que quiser, pelo motivo que bem entender. Enquanto a nuvem só voa por vontade do vento, na velocidade do vento, pelo motivo que o vento bem entender.
O encontro dos dois, no entando, não é inválido. Afinal, o passarinho quando passa pela nuvem, deixa buraquinhos, e leva consigo floquinhos da mesma. E também, sem esse encontro magnífico, a garota com o pé para fora da janela não prosseguiria com suas linhas. Vê como tudo se encaixa numa perfeição descomunal?
Pensando nisso tudo, eu, com o pé já do lado de dentro do quarto, cheguei a conclusão de que ninguém é só uma pessoa. Todo somos PESSOAS, pois, se uma nuvem muda um passarinho, e um passarinho muda uma nuvem, todo mundo muda todo mundo quando se cruzam os caminhos. Ninguém é completamente igual depois de uma conversa.
Mesmo assim, não deixamos de ser apenas mais um. São muitas pessoas no mundo para sermos especiais para todos. Isso inclusive me remete a uma frase do nosso querido Oscar Wilde:"As tragédias alheias são sempre de uma banalidade desesperante". É exatamente isso. Há muito tempo deixamos de viver em comunidade para viver nesse agrupamento de pessoas chamado sociedade. Logo, não somos generosos, adoramos o nosso pior lado e vemos os outros com a indiferença do "mais um".
Vendo dessa forma, eu existo, e estou apenas arredondando a conta das bilhões de pessoas iguais as outras. Não tenho o menor sentido para qualquer ser que viva na China, na Turquia, na Russia, no Polo Norte ou em Botsuana.
Agora, pensando nos buraquinhos da nuvem, eu sou tão fundamental quanto aquele passarinho. Eu sou essencial na vida de um grande número de pessoas. Sem mim, quem iriam criticar? Sem mim, quem mudaria as opiniões? Sem mim, quem teria as minhas histórias para contar? E com mais uma de mim, quem seria a única eu? Sem mim, quem seria a louca sem vergonha que não tem escrúpulo nenhum quando o assunto é as necessidades da vida?
Sim, eu sou uma sem vergonha, e quando passei aquele dia na praia, o mundo inteirinho se encheu de graça e ficou mais lindo por causa do amor. Sim, eu sou uma sem vergonha necessária que pode ser comparada com uma flor num jardim: quando é apenas avistada, pode parecer igual a todas as outras, mas ela passa a ter valor a medida que se cuida dela, que se conversa com ela. Represento isso para meus pais, por exemplo, represento isso para minhas amigas, por exemplo, represento para minha vida, por exemplo. E na verdade, todos representamos isso para tais pessoas. Sim, sou uma sem vergonha, pois sei que tanto os buraquinhos na nuvem quanto os floquinhos no passarinho podem sumir se o vento bem quiser, e mesmo assim não desisto de sonhar. Sim, sou uma sem vergonha, apenas por saber da falta que faria para todos a minha volta, até aqueles que não conheço. Sim, sou uma sem vergonha, porque sei que me comentam. Sim, sou A sem vergonha.
by Luiza Chiesa (foxy lady)